Funes ou um outro elogio do esquecimento
Posted by Miguel Cardina em 10-12-2006
Em Funes ou a memória, de Jorge Luis Borges, o narrador ensaia uma estranha evocação post-morten de Irineo Funes, um jovem uruguaio que ficara paralisado após uma queda de um cavalo. Condenado a permanecer deitado o resto dos seus dias, Funes adquirira uma memória prodigiosa, uma espécie de dom ou maldição resultante do acidente. Uma noite, o narrador visita Funes e este explica-lhe o projecto de nomear cada sensação na sua exacta singularidade: «não só lhe custava compreender que o símbolo genérico cão abrangesse tantos indivíduos díspares de diferentes tamanhos e diferente forma; incomodava-o que o cão das três e catorze (visto de perfil) tivesse o mesmo nome que o cão das três e um quarto (visto de frente)». Dotado de uma memória absoluta, Funes recordava como quem agrupa objectos, respeitando formas, sequências e sensações. Como quem resgata o passado e o reconstrói, peça a peça, desconhecendo que esse mesmo movimento interditava qualquer tarefa hermenêutica. «Suspeito de que não era muito capaz de pensar. Pensar é esquecer diferenças, é generalizar, abstrair». Jorge Luis Borges chamou a este conto «uma longa metáfora sobre a insónia», notando que o sono, o sonho, o esquecimento, são ingredientes necessários para que a memória não se transforme num fruto estéril.
Jorge Luis Borges (1998), «Funes ou a memória». In: Ficções. Lisboa: Teorema. Tradução de José Colaço Barreiros, pp.97-106. [ISBN: 972-695-330-8]
António P. said
Parabéns pela mudança.
Aumentou o prazer de vos ler.
hfm said
Bela mudança… grande post!
Fátima said
Fiquei contente de o ler. Também gosto muito do conto e costumo falar dele aos meus alunos.
manhã said
não me lembro deste conto mas vou ler, estas fábulas trazem-nos uma certa tranquilidade, como se afinal o esquecimento fosse não uma espécie de esboroamento mas um caminho para fortalecer o pensamento. Gosto. Definitivamente.
af said
não em canso de dizer, Borges é enorme.