Passado/Presente

a construção da memória no mundo contemporâneo

A «orquestra negra»

Posted by Miguel Cardina em 21-08-2007

Em 1981, Margarethe von Trota realizou Die Bleierne Zeit, uma visão ficcionada sobre a vida de Christiane Ensslin e Gudrun Ensslin, miltantes das RAF / Baader-Meinhof, grupo que durante os anos setenta semeou um rasto de medo e violência na antiga parte ocidental da Alemanha. O título do filme foi traduzido para italiano como Anni di Piombo (anos de chumbo), expressão que servia igualmente para caracterizar os acontecimentos ocorridos neste país sensivelmente durante os mesmos anos. Nessa altura, grupos de extrema-esquerda e de extrema-direita, fortemente críticos da democracia parlamentar e convencidos da utilidade da violência como arma política, dedicaram-se a um conjunto variado de acções terroristas que visavam desestabilizar o ordenamento político resultante do pós-guerra.

A dia 12 de Dezembro de 1969, a bomba que rebentou no interior do Banco Nacional de Agricultura, em Milão, marca o início desse processo de tensão crescente. Eram 16.37. e a explosão causou dezasseis mortos e oitenta e oito feridos. Nos quarenta minutos seguintes, outros engenhos explosivos rebentam em Roma e Milão, provocando mais 17 feridos. O episódio ficaria conhecido como «Massacre de Piazza Fontana». À comoção imediata juntou-se a certeza policial de que por detrás do atentado estariam grupos anarquistas, nomeadamente o Círculo 22 de Março, tendo sido os seus militantes capturados nos dias sucessivos. Um deles, Giuseppe Pinelli caiu de um quarto andar enquanto era interrogado pelo comissário Luigi Calebresi. Segundo os autos policiais, tratara-se de um suicídio. Apesar dos indícios apontarem para a existência de uma «pista negra» – ou seja, a implicação de núcleos de extrema-direita no atentado – essa hipótese foi debilmente investigada. Em 1990, porém, o juiz Salvini decide reabrir o processo, conduzindo as equipas de investigação a novos e surpreendentes resultados.

Sete anos depois, em 1997, os jornalistas Fabrizio Calvi e Frederic Laurent publicam Piazza Fontana – La verità su una strage, no qual relatam o complexo de relações, conluios e objectivos das várias organizações que, de uma maneira ou de outra, estiveram envolvidas na chamada «estratégia de tensão». Desde logo, Ordem Nova, uma pequena organização extremista de direita animada por um vigoroso espírito anti-comunista e pela nostalgia relativamente à República de Saló. Mas não só. O que os autores procuram mostrar, suportados em testemunhos e documentos da época, é que a «estratégia» foi teleguiada por membro da NATO e por elementos no interior do aparelho de Estado italiano, através da Gládio, organização clandestina criada no contexto da guerra-fria e destinada a responder a uma eventual invasão soviética da Europa. Em «Orquestra Negra», o documentário que Jean-Michel Meurice realizou com base na investigação dos dois jornalistas, estes fios aparentemente soltos servem para compor uma trama policial bastante plausível.

Todavia, o filme não se detém numa linha narrativa que é explorada no livro: a existência de uma espécie de internacional neofascista, inspiradora da operação de 12 de Dezembro de 1969, e que tinha a sua sede em Lisboa. [continua aqui>>]

Deixe um comentário