Passado/Presente

a construção da memória no mundo contemporâneo

O fim de um ciclo

Posted by passadopresente em 19-12-2007

Passado/Presente suspende hoje a sua publicação. Imponderáveis relacionados com a vida e a actividade profissional dos editores tornaram inevitável esta decisão. Fica a promessa de tudo fazermos para, em moldes provavelmente um pouco diferentes, voltarmos, no futuro, a manter em linha um espaço vocacionado para a informação e a crítica centrada na relação da História com o presente. Não podemos, neste momento, deixar de agradecer a todos os colaboradores e colaboradoras o entusiasmo que colocaram na aventura. E aos leitores o seu constante interesse.
Rui Bebiano
Miguel Cardina

(O blogue manter-se-á em linha, podendo continuar a ser consultado e/ou citado. Porém, os comentários que possam ser introduzidos não serão publicados.)

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História e fotografia em exposição

Posted by passadopresente em 08-12-2007

O Museu de Fotografia de Reiquiavique, na Islândia, tem em exibição a exposição de fotojornalismo Afternoon Press Photography in Iceland: 1960-2000, uma retrospectiva que materializa a fotografia como suporte documental da recuperação narrativa da história do passado recente daquele país.

Na origem do projecto encontra-se o conceito de fotografia jornalística enquanto objecto simultaneamente estético e documental, que, pela sugestão e pela evocação concisa e permanente, resgata fracções de segundo de momentos que são parte integrante da história. Como referiu Susan Sontag, o jornalismo fotográfico tem desempenhado um papel insubstituível na forma como condiciona e influencia a nossa percepção dos eventos contemporâneos.

[por Sandra Guerrero Dias] [continua aqui>>]

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As Cheias de 1967

Posted by Miguel Cardina em 26-11-2007

Há precisamente quarenta anos, chuvas torrenciais abateram-se sobre a área da Grande Lisboa, provocando inúmeras vítimas: 427 mortos indicava o Diário de Notícias a 29 de Novembro de 1967, pouco antes do governo ter imposto a cessação da contagem pública. Algumas zonas de Lisboa, Loures, Odivelas, Vila Franca de Xira e Alenquer foram transformadas em autênticos cemitérios de lama. Num ambiente de comoção geral, promoveram-se peditórios, espectáculos e subscrições visando recolher fundos de apoio aos sinistrados. A «campanha de solidariedade» contou com a participação de centenas de estudantes, muitos deles oriundos de estruturas católicas, e que a partir deste episódio se distanciariam irremediavelmente do regime. Censurada pelo governo, a intervenção estudantil no auxílio à catástrofe, serviu também como um importante motor de politização destas novas gerações que, a partir das universidades, vinham ensaiando modos de contestação menos elitistas e mais aguerridos.

Na imprensa pró-regime, as notícias concentravam-se no júbilo perante a demonstrada «cadeia de solidariedade humana (…) sem distinção de classes», que havia significado a «vitória do homem, que a natureza tinha esmagado», como acentua o Diário da Manhã. Numa leitura distinta, o Solidariedade Estudantil apresentava estatísticas baseadas em dados do Serviço Meteorológico Nacional, mostrando que o máximo de pluviosidade havia ocorrido no Estoril, apesar das mortes terem acontecido nos bairros de lata de Lisboa e arredores e nas zonas pobres do Ribatejo. Também o Comércio do Funchal chamava abertamente a atenção para as causas sociais que haviam estado na base da catástrofe: «nós não diríamos: foram as cheias, foi a chuva. Talvez seja mais justo afirmar: foi a miséria, miséria que a nossa sociedade não neutralizou, quem provocou a maioria das mortes. Até na morte é triste ser-se miserável. Sobretudo quando se morre por o ser». O vídeo traz-nos algumas imagens da tragédia.

[YouTube=http://www.youtube.com/watch?v=37_fzPIA0bA]

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O passado em discurso directo

Posted by Rui Bebiano em 12-11-2007

Image Hosted by ImageShack.usA História da PIDE, o livro de Irene Flunser Pimentel que constitui uma versão condensada da sua tese de doutoramento e foi agora publicado pela Temas & Debates, vale, entre outros atributos, pela forma criteriosa e documentada como devolve essa sombra da nossa história recente que tende, por vezes, a ser ampliada ou então esbatida. Não, a PIDE não foi uma cópia caseira da Gestapo ou da italiana OVRA, como no-la apresenta uma certa memória heróica da resistência ao fascismo português. Mas não foi também a instituição policial «benévola», quase paternal, que o regime caído em 1974, corroborado por alguns escritos contra-revolucionários posteriores, apresentou como um mero serviço público. O conhecimento da sua verdadeira dimensão e dos seus mecanismos essenciais sai reforçado com esta obra que passa desde já a constituir um instrumento indispensável para uma compreensão adequada de um dos lados mais negros do Estado Novo e do peso dos silêncios e das cumplicidades que ele nos legou.

Este trabalho levanta, no entanto, um problema metodológico que, ao contrário daquilo que se passa por exemplo em Espanha ou na América Latina, se mantém recorrente na historiografia portuguesa contemporânea: o dos entraves colocados à utilização, ou mesmo à validade, do testemunho oral, que a autora entendeu pôr deliberadamente de parte. Utilizou, naturalmente, esse direito de se servir ou não de determinadas fontes documentais que é prerrogativa de todo o historiador. Desde que este justifique essa exclusão, o que a autora fez com clareza na introdução. Mas já me parece bastante discutível a explicação que procura dar das razões pelas quais desqualifica o testemunho oral, por si tomado, essencialmente, como «’provocado’ pelo historiador que, ao interrogar a testemunha, constrói a sua própria fonte, utilizando-a à maneira de um produtor».

Sendo verdade que este problema se coloca, ele requer, justamente, não a desistência, mas um cuidado suplementar da parte desse mesmo historiador, forçando-o a confrontar os testemunhos orais entre si e na relação com outro tipo de fontes, escritas ou não, servindo-se apenas das informações que podem ser aferidas e claramente identificadas. A própria autora reconhece, muito correctamente, que existe hoje uma «profusão de artigos que colmatam a ausência dos que foram esbulhados ou não podem ser consultados». E por «artigos» podemos entender aqui, parece-me, outras fontes que não apenas os materiais provenientes dos arquivos oficiais. Porque não então as fontes orais? Que diferença de valia tem esta por comparação como testemunho pessoal escrito? E, partindo do princípio segundo o qual não passará pela cabeça de ninguém fazer a história do Holocausto e do Gulag sem recorrer aos seus sobreviventes (sejam eles as vítimas ou seus carrascos), por que motivo se coloca a dúvida em determinadas situações e não noutras?

[continua aqui>>]

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Pela História Oral

Posted by passadopresente em 03-11-2007

O que é um homem no infinito? A angustiante e radical questão de Pascal não terá nunca resposta satisfatória. Sabemo-lo bem. Mas a História Oral (HO) tem, pelo menos, o mérito de aceitar o apaixonante e arriscado desafio de recentrar o papel do indivíduo na história. Através justamente da memória, a mais épica das suas faculdades, segundo Benjamim. A HO, mais do que qualquer outro ramo da história, vive, portanto, numa estrita (quase total) dependência da memória. É claro que a memória (mental, escrita ou oral) é a matéria principal da história, o que a obriga a um confronto em permanência com o imenso processo dialéctico da memória e do esquecimento, que vivem quer indivíduos, quer sociedades. No caso concreto da HO o indivíduo que rememora ou evoca o tempo vivido, fá-lo sempre de forma selectiva, o que significa que se há lembranças resgatadas, em contrapartida há outras esquecidas e excluídas de forma consciente ou inconsciente. Como escreve Fernando Catroga, «a memória individual é formada pela coexistência, tensional e nem sempre pacífica, de vária memórias (pessoais, familiares, grupais, regionais, nacionais) em permanente construção devido à incessante mudança do presente em passado e às consequentes alterações ocorridas no campo das representações do presente».

Mas a memória oral, porque pessoal e directa, tem o inegável fascínio de ser mais próxima e mais viva, se comparada com qualquer das outras modalidades da memória, além de ser absolutamente indispensável para todos aqueles acontecimentos que de uma forma ou outra surpreendem o normal curso da história de longa duração, mais preocupada com as impessoais estruturas económicas e sociais e a suas permanências seculares, do que com o tempo de curta duração do acontecimento, que subverte essas estruturas, de alguma forma curto-circuitando esse processo e invadindo a cena com protagonistas que improvisam e não são apenas figurantes que debitam um papel já conhecido. São os momentos de crise como as revoluções em que a pura racionalidade abstracta dos conceitos e dos sistemas, cede face à invasão de elementos supra ou infra racionais, como as paixões políticas, a fidelidade aos valores e aos ideais, a coragem, a honra, o respeito ou desprezo pelas instituições, os sentimentos altruístas, a sensibilidade democrática.

[por Maria Manuela Cruzeiro] [continua aqui>>]

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Abril de novo

Posted by Miguel Cardina em 15-10-2007

O título é algo exagerado: 25 de Abril: Mitos de uma Revolução não pretende explorar o imaginário político e cultural da revolução que Abril abriu. Também não procura – seria outra linha possível, talvez a menos interessante, da «hipótese mitológica» – desmontar ideias-feitas sobre o acontecimento, ou pelo menos não o faz para além daquilo que todo o exercício historiográfico é na sua essência, ou seja, uma revisão crítica das leituras do passado. Sendo «um balanço» (p.19) do conhecimento disponível sobre o 25 de Abril, recorrendo a várias fontes e à ampla bibliografia, nomeadamente de teor memorialístico, já existente, a obra de Maria Inácia Rezola distingue-se pela capacidade de estruturar uma narrativa rente aos factos que consegue, com particular mestria, ir apontando constantemente grelhas interpretativas que vão iluminando os principais momentos do período revolucionário. Nesta medida, estamos perante um texto de evidente alcance pedagógico e uma das poucas sínteses consistentes e desapaixonadas sobre o biénio de 1974-1976. Uma revisão deficiente e a omissão de uma bibliografia final anunciada (p.373), não chegam para ofuscar a importância desta obra: uma porta para conhecer essa história muito evocada mas ainda repleta de discursos sinuosos e contraditórios.

Maria Inácia Rezola (2007), 25 de Abril. Mitos de uma Revolução. Lisboa: A Esfera dos Livros [ISBN 978-989-626-054-5]

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1968, quarenta anos depois

Posted by Miguel Cardina em 02-10-2007

A revolta de «Maio», em Paris, tem funcionado como uma metáfora desse ano tumultuoso de 1968, caracterizado por um impressionante conjunto de acontecimentos políticos que ajudaram a transformar a face de um mundo que parecia, à superfície, adormecido na modorra da Guerra-Fria. Em 2008, quarenta anos passados sobre a data, uma série de iniciativas académicas pretendem questionar o legado e as implicações desse tempo. Assim, entre 15 e 17 de Abril decorre em Paris, no Institut National de l’Audiovisuel, o encontro «Images et sons de Mai 68». A 17 e 18 de Abril, na Universidade de Leeds, é a vez da conferência «Memories of 1968: International Perspectives». Também na Inglaterra, e a 3 e 4 de Julho, a Universidade de Londres propõe a discussão de um amplo painel de temas centrado nos impactos e implicações de 1968. De âmbito mais genérico é a escola de Verão sobre «Peace and Protest Cultures in Europe, 1945-1989» que decorre em Praga entre 18 e 25 de Agosto. Por fim, em Linz, na Aústria, desenrola-se de 11 a 14 de Setembro a conferência «1968 — A view of the protest movements 40 years after, from a global perspective».

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A sociedade do hiperconsumo

Posted by passadopresente em 21-09-2007

Image Hosted by ImageShack.usGilles Lipovetsky, professor de filosofia na Universidade de Grenoble, autor de vasta obra publicada onde reflecte sobre as sociedades contemporâneas (A Era do Vazio, O Luxo Eterno ou O Crepúsculo do Dever, entre outros), teórico da «hipermodernidade», esteve há pouco tempo em Portugal para participar numa conferência subordinada ao tema A Busca da Felicidade que decorreu na Culturgest, na qual se pretendeu reflectir a felicidade do ponto de vista científico e das suas implicações nas práticas sociais e culturais no mundo contemporâneo. Recentemente foi publicado entre nós o seu último ensaio, A felicidade paradoxal – Ensaio sobre a Sociedade do Hiperconsumo (Le bonheur paradoxal. Essai sur la societé d’hyperconsommation, publicado em 2006, pelas edições Gallimard), uma reflexão sobre a sociedade de consumo actual.

Depois do aparecimento do capitalismo de massas, no fim do século XIX, e da «sociedade de abundância», no pós-guerra, o mundo vive hoje uma nova forma de consumo, iniciada nas duas últimas décadas e marcada pela oferta permanente de produtos em escala e intensidade jamais observadas. Segundo Lipovetsky entrou-se assim num terceiro estádio do capitalismo, ao qual chamou «a sociedade do hiperconsumo».

O autor analisa a relação paradoxal que, em seu entender, os indivíduos celebram hoje com um universo dominado pelo mercado, onde nem a esfera da intimidade consegue escapar. Num curto espaço de tempo, novos modos de vida e costumes instituíram uma nova hierarquia de objectivos e uma nova relação do indivíduo com as coisas e o tempo, consigo próprio e com os outros. A vida no presente sobrepôs-se às expectativas do futuro histórico e o hedonismo, às militâncias políticas. Em contrapartida, a febre do conforto ocupou o lugar das paixões nacionalistas e os lazeres substituíram a revolução, diz o filósofo. Em suma, o melhor-viver tornou-se uma paixão das massas, o objectivo supremo das sociedades democráticas, um ideal exaltado em cada esquina. O bem-estar tornou-se o novo deus, sendo o consumo o seu templo e o corpo a sua permanente liturgia, acrescenta. [por Alexandra Silva] [continua aqui>>]

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Servir o Povo!

Posted by Miguel Cardina em 19-09-2007

«Servir o Povo» é o nome de um pequeno texto evocativo escrito por Mao Zedong, em Setembro de 1944, e que se tornou num famoso slogan agitado durante o período da Revolução Cultural. Mas é também, desde 2005, o título de uma curiosa sátira política escrita por Yan Lianke e que se encontra actualmente banida na China – apesar, segundo consta, de percorrer com fluidez os círculos clandestinos que em regra este tipo de proibições alimenta. O mote narrativo é bastante simples: Liu Lian é uma ex-enfermeira casada com um oficial de topo de Exército do Povo, que inicia um acalorado envolvimento amoroso com Wu Dawang, um jovem camponês que trabalha em sua casa. Por meio de jogos eróticos que se servem, ironicamente, da disciplina criada pelo maoísmo, Liu e Wu descobrem na destruição de pequenas peças domésticas ligadas ao universo simbólico revolucionário, o caminho para uma libertação peculiar que envolve, desde logo, o corpo e o prazer. Domínios que ambos vão redesenhando, com pouca inocência mas algum heroísmo, à medida que o sexo lhes permite ir retirando a normatividade imposta do exterior. A edição portuguesa da obra, segundo se dá a entender aqui, estará para breve.

Yan Lianke (2007), Serve the People!. London: Constable. 228 pp. [ISBN: 978-1-84529-504-2]

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Trachimbrod

Posted by passadopresente em 16-09-2007

Image Hosted by ImageShack.usEverything is Illuminated é um filme que quase não espanta. Simples, metódico, colorido. O espanto vem depois, no fim e apenas quando nos apercebemos que todas as respostas ficam dadas sem ter sido necessário fazer-lhe as perguntas. Além da banda-sonora, étnica, folclórica e meditativa, assinada por Paul Cantelon, autor de bandas-sonoras de filmes como Kill your Darlings (2006) ou Issaquena (2002), é o desenraizamento dos alicerces que presidem à construção da matéria romanesca, o pressuposto de onde se parte que acaba por surpreender. O enredo, nada complexo mas eficaz, intenso e extraordinário, baseado no romance de Jonathan Safran Foer com o mesmo nome, resulta numa performance de loucos disfarçados, afoitos e incendiários do próprio destino porque inconscientemente comprometidos com a regulação do papel da memória nas respectivas vidas.

O contexto histórico emergente é o do rescaldo de uma Segunda Guerra Mundial perspectivada essencialmente a partir daquela que foi uma das suas mais complexas e discutíveis causas propulsoras: a mitologia racista dos judeus enquanto raça inferior e perniciosa. Tributário portanto da longa história do anti-semitismo na sua vertente mais extrema e hedionda, Everything is Illuminated entretém-se depois, ou entretanto, num enquadramento espacial que não acontece ao acaso porque sincronizado com o que acima ficou exposto, que se transcende e se substancializa numa Ucrânia que se perfila através de edifícios decrépitos e abandonados, ruas vagamente vazias, silêncios e espaços preenchidos pela incontornável memória de uma guerra ainda latente.

Apesar, assim, do enredo se oferecer essencialmente ao meio milhão de judeus ucranianos dizimados durante a ocupação alemã, trata-se igualmente de reaver, explicando, e através da restauração de determinadas memórias entretanto extraviadas, o presente de um país gravemente afectado pela desordem do passado. [por Sandra Guerreiro Dias] [continua aqui>>]

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V.V. Putin contado às crianças

Posted by Rui Bebiano em 02-09-2007

«Ninguém se iluda: a imagem que temos dos outros povos, ou de nós próprios, encontra-se associada à história que nos contaram quando éramos pequenos.» A frase abre Comment on Raconte l’Histoire aux Enfants, um dos mais conhecidos livros de Marc Ferro, publicado em 1981 (seguido, quatro anos depois, de L’Histoire sous Surveillance). Desde cedo perceberam os poderosos a importância da manipulação do passado no processo de perpetuação do seu poder, da sua imagem, da sua vontade e do seu legado. Foram, porém, os regimes totalitários do século XX que mais longe levaram a apropriação desse passado pelo poder e a sua manipulação como factor de controlo das sociedades e de construção do «homem novo», procurando gerir de uma forma eficaz o conhecimento do mundo vivido que deveria ser transmitido às novas gerações. Os regimes de tipo fascista e comunista, sustentados por uma representação monolítica da realidade e uma visão unívoca do seu movimento, não negligenciaram (como não negligenciam os seus sobreviventes) educar de forma «certa» as suas juventudes, mobilizando as suas organizações, controlando o aparelho educativo e propagandístico, sonegando as visões alternativas ou demonizando-as de forma liminar. As concepções fundamentalistas no domínio do religioso procuram ainda imitá-los, se bem que hoje o façam num universo onde a porosidade das fronteiras parece tornar essa acção depuradora cada vez mais difícil. Mas não impossível: nas escolas religiosas de diversos grupos ultra-ortodoxos cristãos ou judaicos, em numerosas madrassas ou centros de formação de futuros «mártires», é esse o ideal narrativo e pedagógico a perseguir. Contar da forma «certa» e camuflar o que se não deve conhecer. Fornecer certezas e elidir a dúvida.

A decisão recente do presidente russo, Vladimir Putin, no sentido de mandar redigir – não por historiadores credíveis, mas sim por um conjunto de consultores políticos – e distribuir como guia para a redacção dos novos manuais escolares, de uma História Contemporânea da Rússia. 1945-2006, comporta a semente de um retrocesso àquele estado de coisas, unindo-se a uma deriva crescentemente autoritária e expansionista que Moscovo já não esconde. Segundo um extenso artigo do Público, desvaloriza-se ali o Holocausto e os crimes de Mao, relativiza-se o genocídio perpetrado no Camboja pelos khmers vermelhos, faz-se equivaler a «hegemonia global» dos Estados Unidos à política externa do Terceiro Reich, amacia-se o Gulag, comparam-se os assassínios em massa da era soviética (a maioria deles, relembre-se, efectuada em tempo de paz) ao uso da bomba atómica norte-americana em tempo de guerra, e elogia-se José Estaline, «figura contraditória (…), demonizado por algumas pessoas e para outras um herói pelo papel que desempenhou na Grande Guerra Patriótica [a Segunda Guerra Mundial] e na expansão territorial» e também «o mais bem-sucedido líder da União Soviética». Para além, naturalmente, de se atribuir um relevo ímpar ao «rumo do presidente V. V. Putin em direcção à consolidação da sociedade», marcado principalmente por uma «restauração da posição da Rússia na política externa.» A comunidade de historiadores da Rússia tem, na sua generalidade, reagido com indignação a esta reescrita da história e à sua deriva nacionalista e autoritária, mas a verdade é que, entretanto, novos milhões de russos irão ser educados neste processo de manipulação da verdade. O resultado desta nova torrente de «lavagem» aos cérebros de toda uma geração ainda não pode ser conhecido, naturalmente. Mas permite-nos conjecturar de maneira legítima sobre o mal que transportará consigo. Pavel Danilin, um dos responsáveis por esta História putiniana, avisa: «temos que nos purgar do lixo, nem que seja à força».

Publicado também em A Terceira Noite

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Aquela vontade de ir

Posted by Rui Bebiano em 24-08-2007

Jack Kerouac A poucos dias de se perfazerem cinquenta anos sobre a sua saída em 5 de Setembro de 1957 para as livrarias americanas, um pequeno dossiê do suplemento Ípsilon rememora o impacto da primeira edição portuguesa de On the Road, de Jack Kerouac, lançada em 1960 pela Ulisseia com o título Pela Estrada Fora (numa tradução de Hélder dos Santos Carvalho, morto novo quando vivia em França a sua própria experiência «na estrada»). Num pequeno volume da colecção Découvertes Gallimard, Alain Dister sublinha o desconforto da viagem à boleia – ou em auto-stop, como se lhe referiam os jovens portugueses «francófilos» da década de 1950 –, relembrando a fadiga, o desconforto, o aborrecimento, o frio, a chuva, o perigo, mas recorda também como, para a geração que tomou On the Road como bíblia da perpétua deslocação, tudo isso era facilmente trocado pela sensação de liberdade, de procura e de vertigem que esta sempre possibilitava. A estrada de Kerouac, na sua imensidão, na melancolia dos cenários imutáveis ao longo de centenas de quilómetros, mas também no inesperado que a qualquer instante a podia cruzar, transformava-se na grande metáfora para uma vida em movimento que uma parte da juventude americana e europeia das décadas de 1950-1960 antevia como cenário da descoberta da felicidade, mas que fechará simbolicamente em 1969, com Easy Rider, o road movie de Dennis Hopper marcado já pela visão desencantada, pós-hippie, do fim da utopia.

O destaque dado neste conjunto de artigos a alguns portugueses que, por aquela época, perseguiram essa bela quimera, faz todo o sentido. Mas aquilo que não é referido, e que, por isso, valerá a pena lembrar, é que num país periférico, silenciado e fechado ao exterior como o era Portugal, esse desejo de evasão pela viagem se processou principalmente por vias bem diversas da procura individual e descomprometida dos membros da beat generation e dos seus discípulos. Aqui, para a esmagadora maioria das pessoas, e principalmente para os jovens urbanos e com alguns estudos, quando até a própria boleia era olhada com desconfiança por boa parte da sociedade e pelas autoridades, a vontade de fuga materializava-se principalmente nos consumos culturais possíveis – em especial naqueles mais solitários, proporcionados pela leitura, pela música, ou, em menor escala, pelo cinema – ou, no limite, na experiência da fuga através da imaginação de locais idealizados a partir de referências físicas que iam de Nova Iorque e Paris a Moscovo e Pequim. Os nossos beatniks ter-se-ão contado pelos dedos e permaneciam invisíveis, por muito que hoje se possa fantasiar acerca do seu papel ao longo da década e meia que antecedeu a revolução de Abril.

Também em A Terceira Noite

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A «orquestra negra»

Posted by Miguel Cardina em 21-08-2007

Em 1981, Margarethe von Trota realizou Die Bleierne Zeit, uma visão ficcionada sobre a vida de Christiane Ensslin e Gudrun Ensslin, miltantes das RAF / Baader-Meinhof, grupo que durante os anos setenta semeou um rasto de medo e violência na antiga parte ocidental da Alemanha. O título do filme foi traduzido para italiano como Anni di Piombo (anos de chumbo), expressão que servia igualmente para caracterizar os acontecimentos ocorridos neste país sensivelmente durante os mesmos anos. Nessa altura, grupos de extrema-esquerda e de extrema-direita, fortemente críticos da democracia parlamentar e convencidos da utilidade da violência como arma política, dedicaram-se a um conjunto variado de acções terroristas que visavam desestabilizar o ordenamento político resultante do pós-guerra.

A dia 12 de Dezembro de 1969, a bomba que rebentou no interior do Banco Nacional de Agricultura, em Milão, marca o início desse processo de tensão crescente. Eram 16.37. e a explosão causou dezasseis mortos e oitenta e oito feridos. Nos quarenta minutos seguintes, outros engenhos explosivos rebentam em Roma e Milão, provocando mais 17 feridos. O episódio ficaria conhecido como «Massacre de Piazza Fontana». À comoção imediata juntou-se a certeza policial de que por detrás do atentado estariam grupos anarquistas, nomeadamente o Círculo 22 de Março, tendo sido os seus militantes capturados nos dias sucessivos. Um deles, Giuseppe Pinelli caiu de um quarto andar enquanto era interrogado pelo comissário Luigi Calebresi. Segundo os autos policiais, tratara-se de um suicídio. Apesar dos indícios apontarem para a existência de uma «pista negra» – ou seja, a implicação de núcleos de extrema-direita no atentado – essa hipótese foi debilmente investigada. Em 1990, porém, o juiz Salvini decide reabrir o processo, conduzindo as equipas de investigação a novos e surpreendentes resultados.

Sete anos depois, em 1997, os jornalistas Fabrizio Calvi e Frederic Laurent publicam Piazza Fontana – La verità su una strage, no qual relatam o complexo de relações, conluios e objectivos das várias organizações que, de uma maneira ou de outra, estiveram envolvidas na chamada «estratégia de tensão». Desde logo, Ordem Nova, uma pequena organização extremista de direita animada por um vigoroso espírito anti-comunista e pela nostalgia relativamente à República de Saló. Mas não só. O que os autores procuram mostrar, suportados em testemunhos e documentos da época, é que a «estratégia» foi teleguiada por membro da NATO e por elementos no interior do aparelho de Estado italiano, através da Gládio, organização clandestina criada no contexto da guerra-fria e destinada a responder a uma eventual invasão soviética da Europa. Em «Orquestra Negra», o documentário que Jean-Michel Meurice realizou com base na investigação dos dois jornalistas, estes fios aparentemente soltos servem para compor uma trama policial bastante plausível.

Todavia, o filme não se detém numa linha narrativa que é explorada no livro: a existência de uma espécie de internacional neofascista, inspiradora da operação de 12 de Dezembro de 1969, e que tinha a sua sede em Lisboa. [continua aqui>>]

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O veneno que desgastou o franquismo

Posted by Miguel Cardina em 15-08-2007

Estudiantes contra FrancoNo final da década de sessenta, Carrero Blanco – o sucessor oficioso de Franco que, em 1973, seria assassinado pela ETA – definia os estudantes universitários espanhóis como seres «envenenados de corpo e alma». Em 2004, a expressão viria a ser utilizada por José Álvarez Cobelas, no título da sua importante obra sobre a oposição universitária madrilena ao franquismo e é agora evocada por Elena Hernández Sandoica, Miguel Ángel Ruiz Carnicer e Marc Baldó Lacomba – autores de Estudiantes Contra Franco (1939-1975). Oposición Política y Movilización Juvenil – para dar conta do irreversível processo de desafectação estudantil nos anos finais do franquismo.

O veneno a que se refere Carrero Blanco – a contestação das pautas ideológicas, sociais e culturais da ditadura – havia permanecido praticamente inoperante até finais da década de cinquenta. A intensa depuração que se seguiu à guerra civil, com a execução ou o exílio – físico e psicológico – de muitos professores e alunos republicanos, ajudara a sedimentar a ordem saída do alzamiento. Se o fim da 2.ª guerra mundial abriu espaço, por momentos, a uma crise de legitimidade internacional, no início da década de cinquenta a vitória consolidada sobre os últimos fogachos da resistência republicana, as relações amigáveis com a Santa Sé e o novo jogo de interesses provenientes da «guerra fria» – que levou a que os Estados Unidos passassem a ver Espanha como um tampão seguro ao avanço do comunismo – proporcionou um reforço da aceitação internacional do regime. [continua aqui>>]

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Fátima revista

Posted by Rui Bebiano em 10-08-2007

Fátima Nestes dias de calor e praia, o Público tem vindo a divulgar uma selecção de textos retirados da Enciclopédia de Fátima, obra colectiva editada pela Principia e organizada por D. Carlos Azevedo, bispo auxiliar de Lisboa, e pelo cónego Luciano Cristino, ligado ao Santuário de Fátima. Numa sinopse da obra, pode ler-se que esta pretende ser um «estudo pioneiro e interdisciplinar que aborda de forma multifacetada, científica e rigorosa os acontecimentos de Fátima». Um dos organizadores afirmou ainda que se trata de «oferecer aos interessados uma interpretação aberta, serena, crítica, teologicamente fundada e historicamente objectiva». Não vi à venda este Dicionário de mais de 600 páginas e suspeito até que seja difícil encontrá-lo nas livrarias que frequento, mas depois de ler os passos seleccionados fiquei com alguma curiosidade. Não podendo fazer um comentário crítico detalhado sem o conhecer melhor, existe porém alguma coisa, nos fragmentos que tenho lido, que me deixa razoavelmente apreensivo. [continua aqui>>]

[Original e comentários, com alguns contributos, em A Terceira Noite]

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Bibliografia sobre o «canto de intervenção»

Posted by Miguel Cardina em 20-07-2007

Já se encontra disponível, na secção bibliografias, uma lista de obras sobre o canto e os cantores de intervenção. Aceitam-se sugestões e complementos.

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Foi Assim para Zita Seabra

Posted by Rui Bebiano em 15-07-2007

Perante Foi Assim, o livro autobiográfico de Zita Seabra agora publicado pela Aletheia, torna-se difícil sustentar um registo de equidade crítica, quando a maior parte daquilo que lemos insinua, pelo seu conteúdo temático e pelo próprio tom da escrita, uma rejeição que nem sempre é boa conselheira. Como seria de esperar, a recusa apriorística da possibilidade de ler o livro instalou-se, de imediato, entre pessoas mais ou menos próximas do Partido Comunista ou dos sectores situados à esquerda do PS. E muitas daquelas que o leram, fizeram-no sobretudo à procura das imprecisões ou dos juízos que permitissem depreciar o que a autora escreveu. Acontece, porém, que contando-me entre os portugueses que se distanciaram no passado e se distanciam hoje das suas posições públicas, me interesso particularmente pela história recente do nosso país. Tenho, por isso, a obrigação de procurar compreender, sem preconceitos e com algum esforço de análise, o interesse prático deste volume. Foi aquilo que procurei fazer no artigo crítico que pode ser lido no blogue A Terceira Noite>>.

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Uma futura revista sobre os «anos sessenta»

Posted by Miguel Cardina em 13-07-2007

Os «anos sessenta» têm sido alvo de uma crescente atenção por parte de investigadores e académicos das mais variadas áreas do saber. Assim, e confirmando essa tendência, a Routledge irá publicar, a partir de 2008, The Sixties, a journal of History, Politics and Culture, revista inteiramente dedicada ao assunto. Editada por Jeremy Varon, Michael S. Foley e John McMillian, a futura publicação procurará abordar os «longos anos sessenta» (1954-1975) numa perspectiva comparativa e transnacional. Para os interessados, aqui fica a informação necessária para o envio de propostas de artigo, aceites até 1 de Outubro de 2007.

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O canto de intervenção no combate ao Estado Novo

Posted by Miguel Cardina em 10-07-2007

José Mário BrancoNo caleidoscópio dos oposicionismos político-culturais que procuraram perturbar a ideologia e a prática do Estado Novo, o chamado «canto de intervenção» assumiu uma visibilidade que o singulariza. Configurado nos inícios da década de sessenta, através de trabalhos como os de José Afonso, Adriano Correia de Oliveira e Luís Cília, este domínio particular da música portuguesa sofreu uma importante renovação na entrada do decénio seguinte, patente na edição, no Outono de 1971, de obras como Cantigas do Maio (José Afonso), Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades (José Mário Branco), Romance de um dia na estrada (Sérgio Godinho) e Gente de Aqui e de Agora (Adriano Correia de Oliveira). Nas linhas que se seguem traça-se impressivamente o percurso deste movimento nos anos finais da ditadura, deixando de lado a abordagem do papel do género musical no período imediatamente posterior ao 25 de Abril de 1974, bem como as mais recentes reformulações que sobre ele ou sobre a sua herança se foram e vão fazendo. [continua aqui>>]

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Permitido Proibir

Posted by Miguel Cardina em 06-07-2007

ProibidoTemos assistido nos últimos tempos a reiteradas preocupações com uma certa amnésia social relativamente ao nosso passado recente. Estas queixas vieram de novo ao de cima com a vitória de Salazar no concurso televisivo Grandes Portugueses, ocasião que serviu para lastimar publicamente o débil conhecimento que as gerações mais jovens têm do Estado Novo. Uma das razões para esta carência de memória – outras existirão, porventura mais importantes – está no modo como o período tem sido escrito e descrito. Não me refiro ao facto das narrativas que dispomos serem em regra geral «empenhadas», uma vez que o conhecimento do passado se alimenta tanto de boas memórias como de trabalhos historiográficos rigorosos. Refiro-me, isso sim, à quase ausência de obras que consigam revelar, com informalidade e até mesmo humor, os traços marcantes da época, tornando-a assim mais próxima e compreensível para quem dela não teve experiência.

Isto por si só já seria motivo suficiente para saudar Proibido!, de António Costa Santos, texto no qual o autor aborda, com um invejável sentido do humor, a sanha proibitiva do regime salazar-marcelista: da censura aos livros à vigilância no vestuário, da interdição da Coca-Cola à impossibilidade da mulher viajar sem autorização, da necessidade de licença para usar isqueiro até à proibição de andar descalço, da repressão aos beijos públicos até à obstrução do casamento às enfermeiras. Tudo narrado de maneira ligeira e concisa, com explicações pontuais sobre a natureza e o contexto de algumas destas proibições e relatos divertidos sobre esse «tempo caricaturo, mas sem graça» (p.15), no qual o «Direito teve muito poucas áreas de indiferença, metendo o nariz em tudo, sem balança, nem venda» (p.11). O grafismo não é dos piores da Guerra & Paz, ainda que as imagens no interior sejam algo repetitivas e abundantes. A prosa, felizmente, sai ilesa.

António Costa Santos (2007), Proibido!. Lisboa: Guerra & Paz. 193 pp. [ISBN 978-989-8014-59-7]

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A Nova Esquerda na Holanda, França e Alemanha

Posted by passadopresente em 28-06-2007

Paul Lucardie é investigador na Universidade de Groeningen. Democratic Radicalism Resurrected: the New Left in the Netherlands, Germany and France foi o título da sua comunicação na conferência New World Coming: the sixties and the shaping of a global consciousness, realizada na Queen’s University, em Kingston (Canadá), entre 13 e 16 de Junho de 2007. Nela, Lucardie traça um quadro comparativo da evolução da Nova Esquerda nos países referidos entre a década de cinquenta e a década de noventa, centrando a sua análise nos «anos quentes» de sessenta. O texto, inédito, aponta as linhas centrais de uma tese de doutoramento já concluída e é apresentado com a devida permissão do autor.

All New Left movements (in the wider sense of the term) seemed to share two characteristics. In the first place, they refused to take sides in the Cold War between Western capitalism and Eastern socialism, unlike social democrats and communists who sided with the former or the latter camp. Many, but certainly not all New Leftists justified their neutralism in pacifist terms; but practically all criticized the nuclear arms race between the USA and the USSR. In the second place, all New Left groups emphasized democracy, which seemed to decline on both sides, in their opinion, and should be renewed and revitalized somehow. How this should be done, was a question that divided the New Left, especially through time. One could distinguish five stages here – going beyond the 1960s. [continua aqui>>]

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Arquivos da CIA desclassificados

Posted by Tiago Barbosa Ribeiro em 27-06-2007

Entre as fontes mais ricas de dados primários sobre o nosso passado recente incluem-se os arquivos de Estados, agências de informação e outras estruturas centrais que acompanharam ou intervieram directamente nos acontecimentos das últimas décadas, precisamente em relação aos quais o conhecimento histórico só agora começa a trabalhar. É por isso relevante noticiar que a agência norte-americana CIA disponibilizou recentemente no seu site milhares de documentos outrora classificados que detalham as suas actividades entre as décadas de 1950 e 1970. A pesquisa pode ser feita a partir daqui.

 :: Adenda :: O New York Times inaugurou um blogue para analisar alguns destes documentos.

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Livro de memórias pouco comum

Posted by Rui Bebiano em 24-06-2007

João FreireEnquanto lia as 598 páginas e as 2.296 notas em letra pequeníssima de Pessoa Comum no seu Tempo, o livro de memórias de João Freire que a Afrontamento acaba de editar, percebi que partilhava com ele, sendo dez anos mais novo, muitas das referências da infância e da pré-adolescência. O conhecimento directo ou indirecto de muitas das figuras mencionadas, as primeiras e as segundas leituras, os hábitos comuns, determinadas imagens, valores ou maneiras de dizer, provam que, no Portugal das últimas décadas da vida biológica de Salazar, quase tudo permanecia imutável. Recordei também que, tal como o autor embora mais brevemente, passei pela experiência do serviço militar, da deserção, do trabalho operário, da militância na esquerda radical e da vida universitária. Só não estive exilado porque, in extremis, o 25 de Abril me poupou esse incómodo, quando a mala já se encontrava feita e alguns contactos estabelecidos. Estes factores determinaram, assim, uma abordagem do livro que jamais poderia ser «distanciada». Tentarei ser apenas justo.

Começo por anotar dois aspectos que conferem a Pessoa Comum no seu Tempo uma marca absolutamente peculiar. Por um lado, este é um relato de uma meticulosidade, de um pormenor, evidenciando uma tal capacidade de memorização, que, se não o tornam único, pelo menos o inserem no pequeno núcleo de textos memorialistas portugueses capazes de produzirem uma abordagem efectivamente exaustiva do passado vivido pelo autor. Ao mesmo tempo, existe aqui algo de igualmente raro, traduzido numa relação de aparente disparidade entre a vida invulgar que se descreve e uma escrita que se pode qualificar como conservadora, se não mesmo anacrónica, na sua relação com o lugar geracional e o percurso específico do autor. Para além de que lhe falta também um cuidado, no domínio do trabalho literário, que todo o texto memorialista deve conter, de forma a mais facilmente partilhar com o leitor os momentos singulares e os estados de espírito. Detecta-se em muitos momentos uma discursividade enfática, por vezes convencional e socialmente situada, certas vezes quase obsequiosa, que prejudica a fluidez da escrita e lhe retira alguma capacidade para absorver o leitor. Este é, porém, um aspecto que acaba por se revelar de reduzida importância.

Em tudo o mais, de facto, este volume revela-se absolutamente excepcional e, como se verá adiante, de uma grande utilidade. Estrategicamente, reúno os seus seis capítulos em três blocos, cada um dos quais é desenvolvido através de processos diferenciados de codificação semântica que lhe são próprios. O primeiro deles refere-se aos antecedentes familiares, ao meio social de origem, à infância e à adolescência do autor, à sua entrada no meio militar e à sua vida como oficial da Marinha, até ao momento em que decidiu desertar do teatro de guerra em Moçambique, bem como à sua carreira desportiva (capítulos 1, 2 e 3). O segundo bloco respeita à sua intensa vida como exilado político em França e ao percurso político que o haveria de conduzir ao anarquismo (capítulos 4 e 5). O último bloco reporta o trajecto de João Freire (JF) como sociólogo e professor universitário (capítulo 6). [continua aqui>>]

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Memória dos tempos radicais

Posted by passadopresente em 17-06-2007

Saído inicialmente em dois números do jornal Público, encontra-se no blogue Estudos Sobre o Comunismo, em versão desenvolvida, o texto Memória dos Tempos Radicais, de José Pacheco Pereira, no qual é abordada a recente vaga de publicação de livros de memórias assinados por antigos militantes da esquerda radical portuguesa das décadas de 1960-1970.

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Um livro contra a fé

Posted by Rui Bebiano em 07-06-2007

Sam HarrisNão é fácil defender a importância de uma obra como esta. Quando se multiplicam os livros, discursos, colóquios, debates e números de revistas que pretendem colocar em diálogo islamismo e cristianismo, ou que intentam provar «cientificamente» que se completam, e quando a defesa da laicidade parece confinar-se à teimosia de uns quantos excêntricos fora do tempo, não é fácil declarar, e tentar demonstrar, que ambos são males transportando consigo, em quaisquer das suas múltiplas formas, a opressão e a guerra. Mas é isso que procura fazer o filósofo americano Sam Harris em O Fim da Fé. Religião, Terrorismo e o Futuro da Razão, recém-editado pela Tinta da China.

Um dos argumentos centrais deste livro aponta para o carácter negativo de um novo dogma, do qual são portadores os «crentes moderados» e também aqueles que, não sendo pessoas de fé, entendem a religião como uma área intocável e essencialmente positiva da experiência humana: uns e outros «imaginam que o caminho para a paz só será desbravado quando cada um de nós tiver aprendido a respeitar as crenças injustificadas dos outros». O que leva Harris a declarar, e a propor-se mostrar, que, ao invés, «o próprio ideal de tolerância religiosa (…) é uma das principais forças que nos arrasta para o abismo».

Numa recente entrevista ao suplemento Babelia, Fernando Savater afirma, reciclando o velho aforismo de Marx, que «mais do que ópio, a religião é cocaína». Isto é, ela não se limita a anestesiar, a entorpecer, mas é capaz de produzir estados psicóticos produtores de uma suspensão do tempo e de ilusões com um elevado potencial de violência. O livro de Harris parte também, de alguma forma, do entendimento da religião como uma doença, e como uma doença perigosa, cujo alastramento é favorecido por dois mitos que procura desarmadilhar: o primeiro associado ao facto da maioria de nós acreditar «que é possível retirar coisas boas da fé», o segundo vinculado à crença de que as coisas terríveis que por vezes se cometem em nome da religião «são produto, não da fé em si mesma, mas da nossa natureza mais ignóbil (…) em relação à qual as crenças religiosas constituiriam o melhor (senão mesmo o único) remédio». [continua aqui>>]

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Entre as Brumas da Memória em Coimbra

Posted by passadopresente em 03-06-2007

Na última 5a. Feira, 31 de Maio, a Livraria Almedina e as Ideias Concertadas organizaram em Coimbra uma sessão de apresentação de Entre as Brumas da Memória – Os Católicos Portugueses e a Ditadura, de Joana Lopes. Participaram Rui Bebiano (cuja intervenção pode ser lida aqui), José Dias e a autora. No final, um intenso debate ajudou a tornar evidente que este livro vem preencher uma lacuna no conhecimento do nosso passado recente e a perspectivar algumas ligações entre esse passado e a actualidade.

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A canção das balas

Posted by Miguel Cardina em 01-06-2007

The Bullet's SongQue estranho vínculo aproxima as vidas de personagens tão diversas como André Malraux, T.E.Lawrence (Lawrence da Arábia), Ernst Jünger, Arthur Koestler, Gabriele D’Annunzio, Willi Münzenberg, Benito Mussolini, Che Guevara ou Filippo Tommaso Marinetti? Na opinião de William Pfaff, todos eles seriam produto da crise cultural e moral que levou, na sequência da I Guerra Mundial, a que valores como o «espírito cavalheiresco», a «virtude» e o «heroísmo» fossem substituídos por códigos de conduta baseados na «transcendência individual» e em «utopias assentes em ficções históricas». No seu recente The Bullet’s Song: Romantic Violence and Utopia, o autor defende que este novo tipo de violência política ter-se-ia sustentado em convicções vitalistas que tendiam a amalgamar estética e política, processo manifestado não apenas no contexto dos fascismos da primeira metade do século, mas também em algumas expressões do marxismo dissidente e nas rebeliões estudantis de finais de sessenta.

Apesar do estilo escorreito e de algumas reflexões peculiares sobre a vida das personagens em causa, a obra de Pfaff possui algumas fragilidades, nomeadamente na estruturação dos seus eixos argumentativos centrais. Assim, o «espírito cavalheiresco», supostamente desgastado no período posterior a 1914, aparece mencionado em T.E.Lawrence, Ernst Jünger ou em Vladimir Peniakoff – soldado que teve um exército privado durante a II Guerra Mundial – nomes que precisamente atestariam a erosão do conceito. De modo semelhante, se por um lado se afirma que a I Guerra Mundial «pôs fim à percepção do heroísmo individual como um ideal social», nas páginas seguintes é possível encontrar inúmeras marcas dessa aspiração, como o seja o culto do «herói» efectuado pelos futuristas, profusamente citados ao longo do texto.

Manifestando uma certa simpatia pela ideia de guerra enquanto testemunho da dimensão trágica da existência – espaço de «terror e piedade» no qual se pode encontrar por vezes a «catarse» –, Pfaff deixa-se conduzir por uma tonalidade acusatória, nem sempre explícita, mas central na condução da obra. Algumas reflexões pertinentes sobre a história intelectual do século XX não deixam de ser ofuscadas por uma evidente nostalgia relativamente a determinados códigos de conduta aristocráticos que, supostamente, faziam do mundo um lugar mais habitável. No fim, fica-se com a perturbadora ideia de que existira uma espécie de violência benigna até ao momento em que a «utopia», o «niilismo» e a «busca da transcendência individual» fizeram a sua entrada no plateau da história.

William Pfaff (2004), The Bullet’s Song. Romantic Violence and Utopia. New York: Simon & Schuster. 368 pp. [ISBN 0-684-80907-9]

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Portugal e Espanha: histórias em encontro

Posted by Miguel Cardina em 29-05-2007

Nos próximos meses, serão pelo menos duas as iniciativas que irão confrontar comparativamente a história recente de Portugal e Espanha. A primeira intitula-se III Encontro Luso-Espanhol de História Política, desta feita dedicado à «Formação e a Consolidação do Salazarismo e do Franquismo nas décadas de 1930 e 1940», e decorrerá em Évora, nos dias 4 e 5 de Junho. A segunda – o IX Curso Livre de História Contemporânea – realizar-se-á em Lisboa, entre 12 e 17 de Novembro, numa organização conjunto da Fundação Mário Soares e do Instituto de História Contemporânea. O título genérico do encontro será «História, Memória e Democracia: Portugal/Espanha».

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A Hungria no pós-guerra

Posted by Rui Bebiano em 28-05-2007

É possível, por vezes, deparar na Internet com documentos que são autênticas preciosidades. É o caso de Pictures of an Era (1945-1947), onde podemos encontrar um grande número de excelentes fotografias, publicadas também em álbum, dos tempos conturbados e difíceis vividos na Hungria do imediato pós-2ª Grande Guerra.

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Hispania Nova: sobre a memória da repressão franquista

Posted by Miguel Cardina em 23-05-2007

Em torno da problematização do passado recente, nomeadamente do período da Guerra Civil e do franquismo, tem-se produzido em Espanha abundante actividade e documentação. O número 7 da revista Hispania Nova disponibiliza um dossier sobre o assunto – intitulado precisamente «Generaciones y memoria de la represión franquista: un balance de los movimientos por la memoria» – que vem continuar a abordagem já iniciada em número anterior.

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